Depois de dias de intenso
calor, o dia amanheceu cinzento.
Fraco mas persistente chuvisco matinal molhava a Ericeira...
Estava em casa de pantufas, sonolento, quando uma gritaria me fez vir à porta. Os cães não se calavam....
Era um alvoroço, um grande ruído, um estardalhaço. O barulho das sirenes aguçou a minha curiosidade humana.
Todo o ser humano é curioso, e mais doentiamente o fica quando ouve o buzinar estridente e arrepiante de sirenes...
Ao ouvi-las, toda a gente estica o pescoço, abre a boca de espanto, carrega o sobrolho e interroga-se sobre o que se passou.
E mesmo antes de o saberem todos conjecturam e deitam-se a adivinhar:
- Acho que morreram dois!
- A culpa foi daquele ali!
- Conduzem carregados de álcool, é o que dá!
- O INEM chega sempre tarde...
Quando olhei o espalhafato não foi muito diferente. Grande confusão por ali ia! Havia carros de bombeiros, da polícia, ambulâncias, gruas móveis e até um helicóptero...
Diviso quatro corpos, pernas e braços arrancados, duas cabeças que rolaram, rodas de carros, vários carros sem rodas...
Não conseguia perceber como tudo ali foi parar, como é que aconteceu aquele caos mesmo a dois passos da minha casa.
Havia adultos, crianças, destroços...
Mas pouco a pouco, sob as ordens de uma mulher com visível autoridade, aquela cena ia se desfazendo diante dos meus incrédulos olhos.
As personagens da tragédia estavam a ser retiradas, uma a uma.
Os carros, as gruas, duas ambulâncias e o helicóptero foram recolhidos, os corpos inteiros ou mutilados, todos aleatóriamente empilhados e misturados, como uma salada heterogénea.
Fraco mas persistente chuvisco matinal molhava a Ericeira...
Estava em casa de pantufas, sonolento, quando uma gritaria me fez vir à porta. Os cães não se calavam....
Era um alvoroço, um grande ruído, um estardalhaço. O barulho das sirenes aguçou a minha curiosidade humana.
Todo o ser humano é curioso, e mais doentiamente o fica quando ouve o buzinar estridente e arrepiante de sirenes...
Ao ouvi-las, toda a gente estica o pescoço, abre a boca de espanto, carrega o sobrolho e interroga-se sobre o que se passou.
E mesmo antes de o saberem todos conjecturam e deitam-se a adivinhar:
- Acho que morreram dois!
- A culpa foi daquele ali!
- Conduzem carregados de álcool, é o que dá!
- O INEM chega sempre tarde...
Quando olhei o espalhafato não foi muito diferente. Grande confusão por ali ia! Havia carros de bombeiros, da polícia, ambulâncias, gruas móveis e até um helicóptero...
Diviso quatro corpos, pernas e braços arrancados, duas cabeças que rolaram, rodas de carros, vários carros sem rodas...
Não conseguia perceber como tudo ali foi parar, como é que aconteceu aquele caos mesmo a dois passos da minha casa.
Havia adultos, crianças, destroços...
Mas pouco a pouco, sob as ordens de uma mulher com visível autoridade, aquela cena ia se desfazendo diante dos meus incrédulos olhos.
As personagens da tragédia estavam a ser retiradas, uma a uma.
Os carros, as gruas, duas ambulâncias e o helicóptero foram recolhidos, os corpos inteiros ou mutilados, todos aleatóriamente empilhados e misturados, como uma salada heterogénea.
Percebi finalmente que as causadoras daquilo tudo, eram duas meninas. Duas inocentes crianças...
Bastou aquela mulher lhes ordenar, para que a Sónia e a Marisa, moradoras na casa ao lado, desligassem as sirenes a pilhas e atirassem de rosto franzido, os carros, as cabeças e braços dos bonecos, tudo para dentro do enorme balde de plástico onde costumam guardar os seus brinquedos.
Era a sua mãe que lhes mandou pararem com a brincadeira e com o chinfrim...
Rui Felicio
è uma delícia ler os teus contos.
ResponderEliminarBem vinda Suzana
ResponderEliminarEstes malditos brinquedos que imitam tão bem a realidade!
ResponderEliminarE estes benditos contos que nos deixam em suspense até ao fim!
Ainda bem que ninguém morreu!
Houve aparato mas felizmemte salvaram se todos...
ResponderEliminarConfesso que este conto não me criou qualquer suspense, hoje.
ResponderEliminarJá o tinha lido, não sei onde, talvez no "Escrito e Lido".
Mas, retirado o suspense, fica o prazer da leitura de mais um fabuloso texto do Felício.
Que maravilha!
Toma lá mais um grande abraço.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarSou verdadeiramente uma ingénua, não haja dúvida! Com tragédias não se brinca, sempre ouvi dizer a minha Avó Engrácia, e fui lendo o conto com o sobrolho carregado, um certo sabor amargo na boca entreaberta em expectativa e eis senão quando vejo à minha frente o Rui Felício com o seu riso mefistofélico, a substituir pessoas humanas por brinquedos a fazerem de conta que ali a tragédia também existia! Isto depois da mutilação de corpos espalhados e desmantelados, depois de todo o alarido, acabarem numa salada heterogénea! Francamente! O Rui Felício perdeu - pensei para mim - o sentido do equilíbrio, o bom senso perante o sofrimento! Pois sim!!! Não tem mesmo emenda este grande senhor da palavra!
ResponderEliminarDe qualquer modo, mesmo amuada pela trapaça, devo confessar que a sua estória é fabulosa!
Agradeço as suas simpáticas palavras, doce holograma...
EliminarReli-o de novo com o prazer que me deu a vantagem da minha memória não ter retido o final.
ResponderEliminarÉs mestre no suspense e dos finais imprevistos.
Um abraço
Abílio
Reli-o de novo com o prazer que me deu a vantagem da minha memória não ter retido o final.
ResponderEliminarÉs mestre no suspense e dos finais imprevistos.
Um abraço
Abílio
Obrigado Abilio
ResponderEliminarTambém me lembro de ter lido este texto. As histórias de Felício não se esquecem
ResponderEliminarMuito bom mas lembro-me bem dele quando o publicaste em tempos.
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