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sábado, 25 de maio de 2013

NO REINO DE LILLIPUT

A História daquele País, riquissima e quase milenar, atestava superiores e grandiloquentes feitos, protagonizados por Grandes Homens, de elevada estatura.

Mas por alguma incógnita razão, súbitamente, nas últimas décadas, os destinos daquela Ilha foram sendo tomados nas mãos de homens cujas desmedidas ambição, egoismo, insensibilidade e incompetência cresciam na proporção inversa da diminuição acelerada dessa estatura.
O grande País que já fora, transformara-se num território dirigido por minúsculos lideres, subservientes com os fortes, intransigentes e exploradores dos fracos.
Tornou-se num verdadeiro Reino de lilliputianos que o forasteiro e gigante Gulliver dominava a seu bel-prazer.
No topo da hierarquia do poder, passou a pontificar o lilliputiano Dom Palonso, acolitado pela sua consorte, conselheira e influente Dona Papoila.

Queixou-se um dia Dom Palonso, em resposta a uma pergunta jornalistica, que os rendimentos que auferie eram insuficientes para as despesas do casal, pese embora serem mais de vinte vezes superiores aos da generalidade dos vassalos.
E Dona Papoila, de olhos em alvo, abanava afirmativamente a cabeça em sinal de concordância e aplauso, quando Dom Palonso, entre duas mastigadelas de bolo, borrifando os jornalistas com as migalhas que lhe saltavam da boca, explicava que essa diferença era justa e razoável, tendo em conta os inestimáveis serviços que tem prestado ao Reino.

E que, para defender os interesses de todos, incentivava os vassalos a consumirem apenas produtos nacionais, para eliminar o desequilibrio da balança de transacções correntes.
Designadamente peixe e frutas, mau grado há uns anos atrás ele próprio ter mandado destruir a frota pesqueira e as explorações agricolas, a conselho e por imposição do gigante Gulliver.

Dona Papoila sussurrava-lhe ao ouvido e Dom Palonso repetia, que os vassalos lhes seguissem o exemplo, platando laranjeiras e macieiras como o casal fez no sul da ilha povoada por ancestrais descendentes de magrebinos.

E quando o gigante Gulliver aprovou com distinção e elogiou o comportamento da governação do Reino, Dona Papoila, certamente em íntima conversa de alcova, confidenciou ao seu consorte, que tal êxito se ficava a dever à divina influência mariana, Dom Palonso apressou-se a dar a boa nova urbi et orbi.

Mais tarde, por sugestão de Dona Papoila, Dom Palonso convocou inesperadamente o Conselho Geral do Reino.
Os vassalos ainda ficaram esperançados, como náufragos agarrados a uma qualquer tábua de salvação, de que dali saisse alguma solução para a melhoria das suas actuais e desgraçadas condições de vida.

Pura ilusão!
Afinal, em vez de se discutirem os males que os afligem agora, o tema do seminário foi uma intelectualisima e académica sessão de adivinhação futura de algo que não aquenta nem arrefenta às actuais e degradantes condições de existência dos vassalos do Reino.

Supõe-se que a convocação terá sido feita pelo puro prazer orgásmico de abanar e fazer soar os sinos mediáticos e das vaidades mundanas, na oculta esperança de que a inusitada iniciativa, pudesse vir a ficar registada a letras de ouro nos anais da História, como mais um importante contributo de Sua Excelência para o Bem do Reino...
Rui Felicio

sexta-feira, 3 de maio de 2013

QUOTIDIANO NO CAFÉ DO SR. SILVA


Ao fundo, o balcão envidraçado pejado de bolos de arroz , jesuitas, duchaises, pasteis de nata e de Tentugal, brioches, queques...
Em cima dele num dos cantos, um pequeno barril de madeira que escondia a serpentina por onde corria a cerveja e que o Sr. Silva, dono do Café, de manhã e à tarde aconhegava com bocados poliédricos que ia partindo com uma martelo de uma enorme barra de gelo.
Na parede, destacado, um diploma de Tirador de Cerveja em nome do dono do Café.
Numa mesa, ao canto, o Afonso, o Silva, hóspede, que vivia num quarto alugado no primeiro andar, o Elói e o Munhoz, jogavam aos dados.
Ao lado, noutra mesa, o prof. Ilharco, de lunetas redondas encavalitadas na ponta do nariz, impacientava-se e intimava o Sr. Silva a ultimar o trabalho de meter gelo no barril para se vir sentar para uma partida de damas.
No meio do ruido dos dados a rebolarem estrepitosamente no tampo da mesa ao lado, o Afonso ia apontando num papel, os tentos de cada parceiro, sempre sob o olhar desconfiado do Munhoz que não se cansava de dizer que ele queria ganhar na secretaria.
O Sr. Silva, de cabelo preto arrepiado da frente para trás, entretanto já sentado em frente ao prof. Ilharco lá ia movimentando as pedras, carregando fortemente naquela que acabara de deslocar.

Fitava o Ilharco e sentenciava com ar melifluo:
- Vou lhe colocar aqui um prego!
- Ah! Você disse um prego, articulava o Ilharco pensativo, fazendo uma careta...
Na mesa ao lado, o Eloi, pausadamente, proclamava:
- Poker de ases!
E o Sr. Silva, sem despregar os olhos do tabuleiro das damas:
- Ele disse poker de ases...
E o Ilharco:
- Ah, você disse que ele disse poker de ases. Mas se não se pôe a pau, como lhe três e faço dama.
- E eu como-lhe a dama! Aqui não há pão para malucos...
- Ah. Você disse malucos...
- E o Munhoz na mesa do canto, ao mesmo tempo que chocalhava os dados dentro do copo de cabedal, antes de os lançar:
- Ah, ele disse que lhe comia a dama! Olha, fullen de reis por valetes. De mão! Aponta aí, Afonso!

Entra o Feliciano, de livros debaixo do braço:
- Sr. Silva, queria um café e um bolo.
- Tire-o. Sirva-se! O café são oito tostões e o bolo doze, respondia-lhe o Sr. Silva sem tirar os olhos do jogo das damas e estendendo a mão para receber o dinheiro.
- Vou-lhe fazer o pé de galo, dizia o Ilharco quando ficou com três damas contra uma.
E o Munhoz:
- Ele disse que lhe vai fazer o pé de galo!
Entre dentes, o Silva resmungava:
- Para isso tem de me tirar do rego.
- Ah, você não sai do rego...assim também eu, dizia o Ilharco, contrariado.
- Está de esquina! Não vale!, dizia o Afonso ao Eloi que reclamava uma sequência máxima.
- Pois, é como eu digo. O gajo ganha sempre na secretaria, berrava o Munhoz com um murro na mesa que fez o dado esquinado assentar numa das faces.
- De esquina? Qual esquina?, respondia-lhe o Eloi apontando para os dados.

Era assim o dia a dia no Café do Sr. Silva...

Rui Felicio
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