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sexta-feira, 25 de julho de 2014

A SIMPLICIDADE DO AMOR


 Bonita,simpática, do seu olhar transparecia um misto de tristeza, ansiedade e esperança quando se dirigiu a casa dele e bateu à porta.
Surpreendido pela inesperada visita, ele foi abrir e mandou-a a entrar.
Apontou-l...he o sofá enquanto lhe ia perguntando se estava bem e o que a trazia a sua casa.
Ela mostrou-lhe um brinco de um par que ele há anos lhe tinha oferecido e que jazia fechado numa pequena caixa de louça, desde que se separaram..
Há dias decidiu usá-los, abriu a caixa e reparou que faltava um.Já tinha procurado por todo o lado e não conseguia encontrá-lo.
Vinha-lhe pedir que ele fosse a sua casa e a ajudasse a procurá-lo.
Ele ainda lhe disse que não se preocupasse por causa de um objecto sem grande valor, mas ela insistiu que aquele par de brincos tinha para ela um especial significado sentimental que não queria perder de forma nenhuma.

Bem lhe bastava já ter perdido o amor dele.
E esse era o segundo e mais importante pedido que lhe vinha fazer.
Que lhe permitisse recuperar esse amor.

Espantado, sem saber o que dizer, muito menos confessar-lhe que nunca chegara a amá-la verdadeiramente mesmo quando viveram juntos, engoliu em seco e prometeu lhe que tentaria ajudá-la.

No dia seguinte, ou porque a história do brinco era apenas um pretexto, ou porque a sorte espantosamente os bafejou, ele descobriu-o misturado com outras joias e adereços guardadas na gaveta de uma cómoda em casa dela.
Faltava o segundo pedido, lembrou ela, fitando-o nos olhos.
Ele sorriu, fez-lhe um carinho e explicou que o amor não se guarda em caixas nem em gavetas.

Mesmo assim, acedeu a reencontrá-la no fim de semana seguinte. Almoçariam juntos, como bons amigos que sempre foram, num restaurante onde costumavam ir e andariam por sítios que de outras vezes percorreram.

E assim foi...
Depois do almoço, caminharam num pinhal onde tantas vezes tinham passeado e conversado.
Ele escutava o barulho dos sapatos dela. Um tanto desagradável, pensava...
Mas à medida que iam andando, esse barulho confundia-se já com o bater do seu coração. Em vez de desagradável, sintonizava-se...
De mãos dadas, recordaram os momentos bons que ambos viveram.

De repente, ele baixou-se, colheu uma bela flor que emergia, contrastava e se destacava da relva verde e ofereceu-lha dizendo:
Toma! Encontrei o amor que tu perdeste!

Rui Felicio

sexta-feira, 4 de abril de 2014

CONTRABANDO



Toda a gente sabe que fazer contrabando é o acto de introduzir num País, e depois vender, mercadorias à margem do controle aduaneiro, por forma a que não lhes recaiam os impostos que as leis do Estado sobre elas fazem incidir.

O contrabandista obtém assim um lucro ilegal equivalente ao valor desses impostos.

O que muita gente não saberá é a origem da palavra, tão antiga como o tempo do Império Romano.

Do latim e segundo o Direito Romano, “bandus”, literalmente, designava os editais que o poder executivo emitia divulgando e impondo de forma solene, os regulamentos, ou, na actual e simplista terminologia, significaria a publicação dos decretos do Governo.

Fazer circulação de mercadorias ao arrepio das leis do poder executivo, era, pois, actuar “contra o bando”. Por contracção, degenerou em fazer “contrabando“…

É curioso como hoje o significado da palavra “bando” está ligada a um conjunto ou grupo de malfeitores, já ninguém lhe atribuindo o seu significado original, mas sim a sua aplicação aos marginais incumpridores das leis.
 


Mas vale a pena pensar:

A etimologia das palavras, mesmo quando degeneram, é importante para se perceber que não é por acaso que, mesmo inconscientemente, muitas vezes as utilizamos pejorativamente, na sua profunda e verdadeira acepção.

Ou seja, contra o “bando”, no sentido de edital, ou numa conotação extensiva, contra o poder que os publica.


Rui Felicio

quarta-feira, 2 de abril de 2014

TESTE DE AMOR


A Zélia foi me apresentada, na Pastelaria Ceuta, pelo Zé Luis Português Borges da Silva naqueles bons tempos de solteiros que passámos em Lisboa.
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Era uma miúda algarvia, divorciada, de olhos e sorriso lindos!
Tivemos uma relação durante quase um ano. Mas como em tudo na vida, ultrapassada a euforia inicial, as rotinas instalam-se e o entusiasmo arrefece. Nunca nos zangámos, mas as dúvidas apareceram e questionei-a se valia a pena prosseguir...
Disse-lhe que achava que ela já não gostava de mim. Ela negou, insistiu que cada vez gostava mais e que as minhas dúvidas não tinham razão de ser...
Mas eu sentia que era diferente...Que a paixão do principio tinha esmorecido, senão mesmo desaparecido por completo. Ela prontificou-se a fazer tudo o que eu quisesse, como teste do seu amor. Eu só tinha que escolher...
Perguntei-lhe se ela por mim seria capaz, por exemplo, como prova do seu amor, de ir a um restaurante mexicano que havia em Lisboa e comer aqueles pratos exóticos que eles lá tinham, tipo formigas, baratas, lagartixas, etc... Claro que lhe disse isto a brincar mas ela levou-o completamente a sério e respondeu-me que podia ser já no dia seguinte. Iríamos jantar ao tal restaurante mexicano e eu escolheria o prato que ela comeria de bom grado para me provar o seu amor.
Embora eu insistisse que tudo não passava de uma brincadeira minha, que foi uma parvoíce que me veio à cabeça, ela fez questão de fazer esse teste.
Ou esse ou outro qualquer era para ela indiferente!
Mesmo achando eu, ser um teste estúpido, combinámos então ir ao tal restaurante.
Escolhi, para mim, um bife com ovo a cavalo. Para ela, um prato designado por “baratas negras fritas no próprio molho, à moda de Zapata”
Observei a Zélia a trincar as baratas, agoniei-me ao ver, de vez em quando, um liquido amarelado que por vezes lhe escorria da boca e que ela pressurosa, enxugava com o guardanapo. O estalar da cascas a partirem-se entre os seus dentes provocava um ruído inquietante...
Pareceu-me ver os restos das patas das baratas, presas nos interstícios dos dentes da Zélia...
Um verdadeiro nojo!
......................
No fim de comer, fitou-me e disse-me:
- Odiei comer esta porcaria. Queres melhor prova do que esta? Ainda duvidas do meu amor por ti?
Não tive outro remédio senão reconhecer que a Zélia tinha levado ao extremo o seu teste e disse-lhe:
- Admito que me enganei Zélia. Não duvidarei mais de ti...
Feliz, a Zélia aproximou os seus lábios dos meus e pediu-me um beijo. Como paga do seu esforço...
Recusei beijá-la com a desculpa de que estávamos em local publico...

Mas na realidade, o que eu não conseguia era esquecer aquelas patinhas de barata ainda entre os alvos dentes da Zélia.
Afinal era o meu amor por ela que já se tinha esvaído... Incapaz de resistir ao mais pequeno teste...

Rui Felício


terça-feira, 14 de janeiro de 2014

INTRUSO

Ia amanhecer...
Ela dormia e parecia em paz, depois de uns minutos antes ter sussurrado durante o sono, o nome do Paulo, o homem que amara e com quem vivera durante muito tempo.
Tinham-se separado há uns anos mas ela nunca deixou de o amar. Mesmo em sonhos, a imagem dele, a recordação dos bons momentos que viveram juntos, estava sempre viva, como uma melancólica obsessão, no rosto lindo da Fernanda.
O Carlos, agora ali deitado ao seu lado, sentia-se um estranho, um intruso, na intimidade que não lhe pertencia, que ainda era só dela e do Paulo.
Se fizesse o que a vontade lhe dizia e beijasse aqueles lábios entreabertos, na esperança de que ela acordasse com o mesmo desejo que a invadia quando dormia com o Paulo, como poderia adivinhar qual seria a sua reacção?
Se afastasse os lençois e lhe beijasse o corpo, como iria saber se na cabeça da Fernanda isso não surgiria como gesto de outro homem, daquele afinal que ela nunca esquecera?
E, se em vez disso, ele a acordasse mesmo e, simplesmente, lhe confessasse o enorme desejo que o estava a dominar, como se sentiriam ambos se ela lhe dissesse que não, que não tinha vontade?
Acariciou-lhe o cabelo, primeiro ao de leve, depois com maior firmeza, percorrendo com o polegar o rebordo da orelha, a seguir o pescoço, o ombro, as costas.
Tocou com os lábios na sua testa, deixou-os lá, e com um sopro cálido afastou-lhe os cabelos que lhe caíam em desalinho sobre os olhos fechados.
Fazia-lhe pequenas festas no rosto com uma das mãos e com a outra acariciou-lhe a anca.
Ela dormia ainda, mas ele sentiu o seu corpo mexer-se, contrair-se...
Beijou-lhe o lábio inferior e disse-lhe baixinho que queria amá-la.
- Hummm, ainda não estou bem acordada, disse ela.
- Esse Hummm quer dizer apenas que não queres que te acorde, ou significa que seria bom para ti?, perguntou ele.
- Quer dizer que será muito bom, respondeu ela.
Beijaram-se longamente, ela pegou-lhe na mão e fê-la deslizar da anca para a barriga.
Durante muito tempo foram cavalgando o desejo com mais desejo, crescendo incontrolado até ao êxtase.
Por fim, serenaram saciados, ofegantes.
Feliz, o Carlos tentava, contudo, adivinhar se o Paulo tinha estado ali entre eles.

Rui Felicio