Do mais poderoso ao mais humilde, todos consideravam indispensável a sua companhia em qualquer lugar, debaixo da mais impiedosa intempérie ou sob um sol tórrido. Gabavam-lhe as vestes acetinadas, de padrões modernos, escolhidas com gosto, sempre impecavelmente vincadas. Admiravam-lhe a elegância e a firmeza do corpo, a sobriedade e recato da sua presença e do seu trato, a simpatia e disponibilidade para servir os outros. Percebia que todos tinham até um certo orgulho em tê-lo junto deles.
Não se envaidecia por isso. A sua natureza simples e humilde, não conhecia a vaidade, nem o preconceito, nem o ódio. Pelo contrário, tinha um espírito verdadeiro democrático, era igualmente prestável e educado para com os pobres, os ricos e os remediados, fossem homens, mulheres, crianças ou jovens.
Com o passar dos anos, foi gradualmente perdendo os favores dos mais poderosos, sofrendo calado, a petulância dos novos ricos, e sentindo o desprezo daqueles a quem a vida oprimia e que não se dispunham já a dedicar-lhe a atenção a que antes o tinham habituado.
Já ninguém reparava nele, esquecendo-o como se não existisse, abandonando-o às suas memórias. Chegavam a virar-lhe a cara para não terem que suportar a sua presença, de que chegavam a sentir vergonha. Entristecia-se e amargurava-se, sem um queixume, por causa dos risos de chacota da juventude que, cruelmente, às vezes o invectivava, chamando-lhe velho, desactualizado, fora do seu tempo, quase inútil.
Como se a velhice fosse um estigma, conjecturava ele… Como se ele já não tivesse sido também jovem, bonito, adulado, moderno, como agora eram os que o enxovalhavam.
Sofria de artrose que lhe fora deformando o corpo. O vestuário antigamente elogiado e olhado com espanto e mesmo invejado por todos, estava agora amarrotado, com alguns rasgões aqui e ali, que ele procurava disfarçar com remendos toscos que almas caridosas lhe costuravam.
No hospital, pediu que o consultassem e que lhe receitassem algo para combater a doença que lhe ia paulatina e inexoravelmente entortando as articulações, e que lhe impedia os movimentos mais ligeiros, sem um ranger doloroso.
Não lhe disseram cara a cara, mas veio a saber que, no hospital, decidiram que não se justificava, do ponto de vista económico, atendendo à sua idade, e à crise que atravessamos, fazerem-lhe os dispendiosos tratamentos de que carecia. E que bem sabiam que não o curariam, apenas lhe aliviariam a doença…
Tinha sido belo quando era jovem. Agora, com as varetas enferrujadas, duas delas partidas e atadas com arames, o velho guarda-chuva jazia abandonado, forçadamente conformado, no estertor da vida, junto ao Ecoponto do hospital, à espera de ser levado para a lixeira…