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quinta-feira, 14 de julho de 2011

MILAGRE

Os meus avós paternos tinham a sua casa num pequeno terreno que se estendia ao longo da linha de comboio da Lousã, uns 50 metros adiante do apeadeiro do Calhabé.
Nele cultivavam produtos hortícolas que a minha avó depois vendia diariamente no Mercado D. Pedro V. Como o terreno era atravessado por um regato que o humedecia, resolveram plantar uma pequena leira de melancias, para experimentar.
O resultado foi melhor do que tinham imaginado. Toda a gente que por lá passava elogiava os belos frutos rasteiros que ali iam crescendo. Chegavam a sentir crescer água na boca só de os mirar. As melancias nascidas eram de grandes dimensões e, dizia quem as provava, eram saborosíssimas e muito sumarentas.
Até o Padre Aníbal se deixou seduzir pelos espécimes. Uma tarde de sábado, acompanhado pelo sacristão, dirigiu-se ao terreno, bateu várias vezes à porta da casa mas ninguém os atendeu. Ele não sabia que nesse fim de semana os meus avós tinham ido a Lisboa visitar o meu tio Fausto e o meu pai que, na altura, ali viviam.
Como estava determinado a levar uma melancia para se deleitar na sua casa com uma ou duas fatias e um naco de presunto, disse ao sacristão para ir colher uma para levarem. O “marreco” revirou os olhos incrédulo:
- Oh Sr. Prior, não me diga que vai roubar uma melancia!
- Não sou nenhum ladrão, sossegou-o o Padre Anibal. Além de que roubar é um pecado grave que eu jamais me atreveria a cometer. Meteu a mão na sotaina, retirou de lá uma moeda e disse ao sacristão para a deixar junto ao pé da melancia que ele cortasse.
Na missa dominical da semana seguinte, o tema da homilia era a honestidade e o Prior, iniciou-a  dizendo que ia contar aos paroquianos um milagre ocorrido na semana anterior na horta do Sr. Felício. Um anjo foi lá, dizia ele, levou uma melancia e deixou no sítio de onde a arrancou uma moeda para a pagar. Ao lado, o sacristão olhava-o de esguelha mas não se atreveu a contradizer o padre. Pelo contrário, até acenava afirmativamente com a cabeça, corroborando a história.
Cá fora, no fim da missa, no átrio da igreja, a minha avó Piedade viu-se rodeada por um grupo de mulheres que a felicitava pelo milagre divino acontecido no seu terreno, e disse-lhes:
- Os anjos estão desactualizados quanto ao preço das coisas. Aquela moeda miserável que lá deixaram não dá para pagar nem uma alface. Quanto mais para uma melancia de mais de cinco quilos!

Rui Felício

5 comentários :

  1. E foi assim que a avó Piedade desmascarou o milagre.
    Consta que o padre Aníbal ficou com "um grande melão"!

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  2. Milagres?...Deixa-me rir!
    É tal como o vendedor da banha da cobra,como o padre Anibal e o "marreco".
    Mas a avó Piedade sem piedade "abriu a jogada" com muita sabedoria!

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  3. Obrigado Olinda pelo teu comentário.
    E ele deixou lá uma moeda miserável porque era um sovina.
    E porque havia uma testemunha ( o marreco ). Senão, estou convencido que nem moeda deixava.

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  4. O Padre Aníbal era muito milagreiro...mas o "marreco" era mais dedicado às "anginhas"...

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