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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

NO CAFÉ



Está tão diferente o Samambaia…
Há muito que não ia àquele café de que guardo tantas e tão boas recordações. Está mais moderno, é certo, mas demasiadamente asséptico e arrumado para o meu gosto.
Os tampos das mesas são espelhadas, de um negro baço, fazem lembrar um écran de computador, as cadeiras são confortáveis e deslizam automaticamente quando alguém faz menção de se sentar.
Olho em redor enquanto espero que venha o empregado. Não está muita gente. Uma pessoa aqui outra acolá, mas todos com um ar sorumbático, triste, com os olhos fixos nas mesas. Usam vestuários estranhos. Pouco diferem uns dos outros, mas têm em comum uma certa uniformidade nas cores, de um cinzento prateado. Deve ser a moda que eu tenho descurado. Continuo a ser um conservador inveterado no que respeita à forma de me vestir.
Reparo que todos têm apenas um copo de água em cima da mesa. Nem pratos, nem chávenas, mais nada!
E as velhas árvores que davam sombra à esplanada? Desapareceram! Fizeram mal em as terem arrancado. Ou terão morrido?…
A bonita jovem que estava sentada ao lado olhou-me de soslaio, disfarçadamente e cravou de novo os olhos na sua mesa, com o rosto entre as mãos, apoiada nos cotovelos.
Nem um sorriso!
E nunca mais aparecia o empregado.
Corri o olhar à sua procura. Nada! Fiz sinal ao único que via, lá dentro, atrás do balcão. Parecia uma esfinge. Não deu mostras de me ter visto acenar-lhe.
Ouvi a voz da jovem sussurrar-me, sem me olhar:
- Se quer encomendar alguma coisa, escolha no menu e peça…
- Qual menu?
- Aí, no tampo da mesa, corra o cardápio com o dedo e clique naquilo que quiser pedir. Depois tecle <Enter>
Que modernices, pensei eu. Percebi então que a própria mesa era um computador e lá escolhi o que me apetecia. Posicionei o dedo em cima de “tosta mista + imperial”, e dei <Enter>. Ficou a piscar uns segundos e apareceu uma mensagem a pedir-me o número do cartão de crédito.
Puxei da carteira, escrevi o número e aguardei.
Pouco depois apareceu o tal empregado esfingico, com um andar desengonçado. Trazia no tabuleiro um copo de água e um pequeno pires com um comprimido. Ao lado, um talão com os dizeres “Tosta mista e imperial” e a indicação das vitaminas, sais, lípidos e demais caracteristicas do produto contido naquela pastilha amarelada.
Já estou arrependido de me ter metido na máquina do tempo e feito o teletransporte para o Futuro. Para o ano de 2095...
 
 
Rui Felicio

6 comentários :

  1. Que "tosta mista" passada demais no pc das mesas para meu gosto comestível!
    Mas literáriamente falando é um belíssimo texto!!!
    Ó homem da escrita,Rui Felício estás imparável em criatividade e sentido fino de humor.
    Boa noite

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    1. Obrigado Olinda.
      Se pensarmos que na Idade Média ainda havia muita gente que comia sem talheres, abocanhando a comida e lambuzando as mãos, de uma forma que hoje consideramos grosseira, não é de admirar que o progresso vá tornando o acto imprescindivel de nos alimentarmos, cada vez mais asséptico e reduzido à expressão mais simples.

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    2. Passa a tosta "mística",sem dúvida...

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  2. Conhecia este texto, foi escrito pelo Rui Felício e lido por mim ...
    Este "teletransporte" para 2095 é mais uma maravilha da fértil imaginação do Autor.
    É caso para dizer, apesar de tudo, prefiro este ano de desgraça da 2013...

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    1. Agradeço-te as palavras, Carlos.
      E tens razão, já tinha publicado esta historieta em tempos no Encontro de Gerações.
      Alegra-me que ainda te recordes dela...
      Um abraço

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  3. Como sempre, quem começa a ler os teus contos nunca sabe como vão acabar!
    Já agora, quanto é que pagaste pela imperial+tosta mista? Em Euros não foi, de certeza... Para a próxima, quero ir contigo! Tenho cá umas ideias melhores onde gastar o tempo...

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