Há anos que sou cliente
daquela loja de pronto a vestir para homem, na Av. do Uruguai.
Não é que seja barata,
mas os fatos são de boa qualidade, a confecção é perfeita e consigo sem
dificuldade encontrar o tamanho adequado sem necessidade de serem feitos
arranjos, nem nas calças, nem nas mangas.
Já lá conheci várias
empregadas. Tanto as que saem como as que as vêm substituir, são sempre de uma
extrema simpatia, cordiais, solícitas, eficazes, competentes e, normalmente, muito
bonitas. Com corpos esculturais, mulheres jovens mas já maduras e de grande
beleza, não se lhes consegue ficar indiferente...
Mesmo que não tencione
comprar nada, às vezes passo por lá só para ver se há novas colecções. Porém, de
há um mês para cá, tenho-a visitado com maior frequência do que o
habitual.
Bem...porquê
escondê-lo? Confesso que tenho ido à loja só por causa dela. Está na loja há
pouco tempo, é nova, trigueira, salpicada por umas quase imperceptíveis manchas
acastanhadas, que fazem lembrar pequenas sardas, e que lhe dão um atractivo
especial, inexplicável, de sonho.
É a sensação de uma
maciez aveludada, aquilo que sinto, quando, casualmente, os meus dedos lhe
tocam, provocando-me um arrepio incontrolável no corpo. Suspiro baixinho,
disfarço, as ideias atropelam-se-me em turbilhão e tento controlar o desejo
louco de a ter. Evito que se perceba. Se calhar, sem sucesso...
Mas...
Um choque, um aperto no
coração, foi o que senti no outro dia.
À porta, ainda não
tinha entrado, vejo-a pendurar-se no pescoço de um homem jovem, bem constituído,
que lhe sorria, que a afagava. Pelo vidro translúcido da porta, espreitava-os e
adivinhava-lhes, com inveja, um ar de grande felicidade!
Nem cheguei a entrar.
Dei meia volta e regressei a casa roído de ciúmes, recriminando-me pelo meu
feitio inseguro e indeciso.
Pelo caminho tentei
desvalorizar o inesperado episódio. Nos tempos modernos essas atitudes são
triviais, as mudanças são comuns, as aparências nem sempre traduzem a realidade
e, portanto, não devia preocupar-me demasiado.
Ontem decidi-me! Venci
aquela estúpida indecisão, aquele marasmo, e resolvi passar pela loja ao fim do
dia. Ganharia coragem e diria a verdade! Revelaria aquilo que me trazia o
coração apertado. Não perdia nada com isso, monologava eu comigo mesmo... Assim
acabaria com o sofrimento que me atormentava e que não tinha razão de ser!
Cheguei lá, procurei-a avidamente
com os olhos. Mas não a vi!
Perguntei por ela,
ansioso.
A empregada que me atendeu disse-me que aquela
bela e cara gravata de seda italiana, de um padrão invulgar, era exemplar único
e que a tinham vendido no dia anterior...
Rui Felicio
Já tinha saudades dos teus textos. Cheguei a tempo para o publicar n'a funda São?
ResponderEliminarSabes que sim. Aliás, a honra é minha.
ResponderEliminarÉ minha!
EliminarA indecisão é o que dá...
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarQuando comecei a ler este texto, pensei sem pruridos: "Este Rui Felício é mesmo um mulherengo e declara-o sem pudor! É homem de sensações fortes, facilmente conduzido por qualquer "rabo de saia", mas vacila, sofre, angustia-se sem nada dizer, numa qualquer timidez que não domina!
ResponderEliminarFiquei curiosa a seguir a sua confissão em plena praça pública, mas quando deparei com o final, sozinha na solidão do meu escritório,disse uma palavrita feia, porque me ludibriou completamente...
Adorei o texto, acredite!...