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domingo, 7 de abril de 2013

DILEMA

Atroz a minha dúvida, insolúvel este dilema!
Chamava-se Tó. Aliás todos se chamam Tó, lá na Quinta. Às fêmeas, adjectivam-nas de parideiras.
Caracterizam-se pela sua inteligência, pela sociabilidade, pelo espírito gregário. Cumprimentam-se por contactos dos narizes, que esfregam uns nos outros, emitindo sons roufenhos ou estridentes de saudação. Reconhecem-se pelo olfacto.
Estabelecem facilmente relações de amizade uns com os outros e são condescendentes e de grande ingenuidade.
Apreciam a harmonia, evitam discussões e repelem ressentimentos.
Recentes estudos, demonstraram que são mais inteligentes que os cães e que conseguem apreender o que os outros estão a pensar quando esfregam os narizes.
Na Quinta onde vivem, na Paiã, nos arrabaldes de Lisboa, está integrada uma Escola Agrícola.
Vivem felizes chafurdando na lama em intermináveis brincadeiras.
Nada que se pareça com as criações pecuárias onde os outros porcos vivem encafuados em iníquos espaços, alimentados à força, para no fim da sua curta e infeliz vida terem como destino inexorável, o matadouro.
Um dia, sob uma chuva intensa, dois homens aproximaram-se, meteram-me a mim e ao meu amigo Tó numa gaiola acanhada, colocaram-na em cima de uma pequena camioneta e dirigiram-se connosco para o edifício da Escola.
Atiraram com a gaiola para cima de um porta-paletes e rebocaram-no ao longo de um frio e húmido corredor até uma grande sala onde já se encontravam alguns homens vestidos com batas brancas.
Um deles, mais velho, parecia ser o professor e os outros os alunos.
Em cima de uma grande mesa de mármore espalhavam-se ossos, restos de carne, órgãos diversos...
Dentro de um armário envidraçado, um esqueleto, com toda a aparência de ser de um porco.
Olhando tal aparato, ficámos assustados, o Tó e eu...
Aquele que devia ser o Professor, disse aos alunos que lhes ia ensinar a esquartejar, a dissecar e a extrair do porco todos os órgãos. Fez-lhes notar que o animal devia ser morto com o mínimo de sofrimento possível, ensinando-lhes que para isso utilizariam um instrumento eléctrico que se lhe descarregaria para o atordoar, espetando-se logo de seguida uma pontiaguda faca no exacto local onde se encontra a veia jugular, para que a morte fosse rápida.
Apesar dos lancinantes gritos do Tó, que estrebuchava e tentava fugir, conseguiram domina-lo e, depois de electrocutado e morto, colocaram-no finalmente em cima da pedra mármore.
Assisti a tudo, agoniado, por trás das grades aramadas da gaiola, até que o meu amigo Tó ficou desfeito em inúmeros pequenos pedaços ensanguentados.
O Professor, no fim, disse que eu, o outro porco, não iria ser igualmente esquartejado porque ele resolvera adiar a aula seguinte com outra turma. Por isso, mandou que me levassem de novo para a Quinta.
Quando cheguei ao meio dos outros porcos, evitei o contacto com eles. Renunciei aos toques dos seus narizes, para que não me adivinhassem o pensamento, afastei-me para um canto...
Devo contar-lhes tudo o que se passou?
Devo transformar a sua habitual alegria em tristeza e revolta?
Ou devo ocultar-lhes a verdade, deixando-os livres e felizes como são?
Mas, para isso, teria que fingir que estou feliz. E não sei se sou capaz...
Este é o meu dilema...
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Rui Felício

1 comentário :

  1. É mesmo um dilema!
    A leitura dos teus textos é sempre um prazer para mim!
    Um abraço

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