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quinta-feira, 4 de abril de 2013

PAÍS INVERTIDO

Depois de tantos anos, finalmente passeei por aquela estranha terra que desde há muito queria conhecer.
É o País Invertido onde tudo se passa às avessas, ao contrário daquilo a que preconceituosamente nos quiseram habituar.
E, todavia, tive a sensação de já o conhecer há muito!




 Ali, as pessoas dizem o contrário do que pensam, andam às arrecuas em vez de caminharem em frente, dizem que vão para ali, quando afinal estão a vir de lá. E asseguram-nos que vêm de lá quando saem daqui para lá. Curvam-se quando deviam ter a espinha direita e empertigam-se quando se deviam curvar envergonhadas.
Quando querem dizer-nos algo, afirmam peremptoriamente aquilo que não queriam transmitir-nos.
A história que dizem não nos quererem contar, mas que nos contam, é iniciada pelo fim e vão recuando na descrição até ao prólogo.
Às perguntas que os jornalistas lhes fazem não respondem. Mas respondem àquilo que não lhes foi perguntado.
Os deficientes físicos, em cadeiras de rodas, cedem o seu lugar nas filas do autocarro ou do supermercado aos jovens saudáveis, e estes manifestam e reclamam o seu direito de passar à frente de velhos e deficientes.
Na rua, os ricos pedem esmola aos pobres, e, se puderem, roubam-nos.
Os músicos desafinam os seus instrumentos nos teatros, para uma plateia de surdos que ali vai assistir aos espectáculos. E que bate palmas antes do inicio. Os que compraram lugares nas primeiras filas, sentam-se no galinheiro e vice-versa.
Os filhos educam os pais e obrigam-nos a ir à escola, os assaltantes dão conferências e palestras advogando os princípios basilares da sua conduta moral.
Na escola os estudantes ensinam os professores, disciplinam-nos e avaliam-nos.

Antes das eleições, os políticos votam no Povo. Os que tiverem menos votos, os menos capazes vão para o Governo, com a missão de reduzir o nível de vida da população, de a tornar mendicante, de a obrigar a uma morte precoce. Depois fazem campanha eleitoral, publicam os resultados e marcam eleições.

As mulheres aguardam nervosas no átrio das maternidades que os seus homens dêem à luz na sala de partos.
Os recém nascidos nascem velhos e quando morrerem daqui a 80 ou mais anos serão crianças de tenra idade depois de uma vida regressiva.

 Naquele País Invertido não há corrupção e quando alguém, por vaidade, se declara corrupto é aclamado e elogiado!
As prisões estão a abarrotar de inocentes e os guardas prisionais são os bandidos.
E os Tribunais, quase sempre inactivos e inconsequentes, proferem céleres sentenças laudatórias que servirão de fundamento para a atribuição de comendas e medalhas aos criminosos.

Rui Felicio

11 comentários :

  1. O surreal no seu melhor...
    Imaginação quanto baste!
    Leva-me ao livro de Luís Pacheco " A Comunidade" a loucura completa...

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  2. Como bem sabemos, este país que apresentas não é tão invertido assim.
    Permites-me que publique este teu texto, bem como o "CARTA ABERTA DE RUI FELICIO AO DR. VITOR GASPAR", no blog «Persuacção»?

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    1. Claro que sim, bem o sabes.
      Há possibilidade de eu ser notificado se e quando houver publicação?
      Obrigado

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  3. Muchas gracias. Quando sair, eu envio um e-mail.

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  4. Não precisei de fazer o pino, para ver este País invertido, pois ele decorre mesmo em frente aos meus olhos com todos os valores deturpados, exactamente como o Rui Felício o descreve, mas com um toque de surrealismo
    à Dali, de humor cáustico e propositadamente levado ao exagero, para no-lo apresentar ridículo, obtuso e anormal e assim nos dar a verdadeira dimensão de toda a inversão de valores em que se afunda! Uma espécie de Ensaio sobre a Cegueira de Saramago, onde espero que, no final, fiquemos todos curados dela!...

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  5. Com efeito e como bem disse, Maria Mesquita,o exagero descritivo tem como finalidade fazer sobressair a real inversão de valores com que, paulatina mas inexoravelmente a nossa sociedade se vai deformando.
    Certamente não chegaremos aos limites do absurdo que referi, mas para lá caminhamos. E, infelizmente, duvido que nos curemos da cegueira...

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  6. A absurdidade do Mundo, neste caso do nosso País, leva-nos a aceitar como normal o que nos é já hostil em cenários mascarados pelo hábito, que dificilmente nos curará da cegueira. Esta constatação provoca náusea pelo absurdo sempre omnipresente!
    Este torvelinho vertiginoso que nos foi apresentado pelo Rui Felício, conduz-nos a homens destituídos de sonhos e de esperança. E, de novo, o absurdo mina-os até a desistência, surgindo os suicídios, as depressões, a apatia.
    Perante tanta obscuridade, tanta contradição, tanto despotismo, tudo é abismo, é água a escorrer entre os dedos!.
    Uma paz envenenada, esta que estamos a viver!

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  7. Dava um excelente guião para um próximo filme do Tarantino. Até podia ter Lagutrop, como subtítulo.

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  8. "...as pessoas morriam jovens antes mesmo que lhes aparecesse o primeiro fio de cabelo branco, como prescrevia o desejo de Lagutrop."

    Citação de Morpheus

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  9. Não sejamos tão descrentes no pobre Lagutrop, pois ele afinal somos todos nós e se está assim, tão moribundo, também nos cabe alguma culpa. Não estejamos continuamente a apontar o dedo para quem foi eleito pelos cidadãos crédulos, mas olhar para nós e vermos onde é que a nossa culpa reside. O "mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa" (sendo eu agnóstica)é uma frase de humildade que não fica mal a ninguém, para se corrigir o que está errado também em nós próprios. Eça sempre criticou este País com a sua prosa cáustica, mas elevada, com o seu profundo sentido de humor virulento (sem nunca precisar de utilizar o palavrão obsceno e incaracterístico com que muitas vezes me deparo no Facebook) e, como sabem, sempre actual! 9 milhões de portugueses não serão capazes de meter na linha umas centenas de burlões, cínicos e oportunistas, sem credulidade, nem competência???? Então, os seseugutrop somos mesmo nós, que nos deixamos inverter na nossa dignidade e direitos!...As ladainhas em coro, de queixumes e de desânimo, a nada conduzem: querem-se actos e toda a força da indignação posta neles! Enfrentar o inimigo, em táctica cerrada, sempre produz efeito! Desarvoram logo, porque se trata de gente covarde, não esqueçam!...Peço desculpa, Rui Felício, mas esta é a minha opinião!

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