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terça-feira, 3 de setembro de 2013

NA ALDEIA...

 
A noite caiu, ainda a Ti Amélia Pataqueira, antes de regressar a casa, arrumava a enxada no pequeno casebre de madeira onde guardou os apetrechos com que tinha estado todo o dia a amanhar a horta da pequena leira que possuía, paredes meias com o cemitério das Torres do Mondego.
Correu o ferrolho e deu a volta à enorme chave, que rangeu no buraco da fechadura ferrugenta. De todas as vezes se lhe arrepiava a pele quando ouvia aquele som a cortar o silêncio do local, como se receasse acordar os mortos do outro lado do muro. Encaminhou-se para a azinhaga íngreme de calhau rolado, polido pelos anos, em direcção à aldeia, lá em baixo. Passou em frente ao portão do cemitério, encimado por dois enormes anjos de pedra ali postados como sentinelas e guardiões do campo sagrado onde jaziam aqueles que a morte já tinha levado e que ela bem conhecera em vida.
Benzeu-se,  arremedou uma rápida genuflexão, olhou de soslaio as silhuetas das campas que o portão de ferro forjado e a claridade das estrelas deixavam entrever e aprestou-se para começar a descer a ladeira.De súbito estacou, tensa, rígida, as mãos enclavinhadas no cesto de verga onde transportara o farnel, com o coração em cavas, rápidas e violentas batidas. De dentro do cemitério, tinha ouvido um som esfusiante, parecido com o barulho do gasómetro da sua casa, quando lhe chegava o fósforo para o acender.
Virou a cabeça e viu uma luz azulada a subir da campa do Ti Zé França, que falecera há pouco mais de um mês.Desatou a correr pela quelha abaixo, gemendo de medo. Quando olhava para trás, via aquela luz azulada, aquele fantasma que a perseguia.
Já cá em baixo, entrou de rompante na taberna do Zé Brasileiro, onde alguns homens da aldeia jogavam às cartas em redor de uma carcomida mesa de madeira.
Aos olhos apavorados da Ti Amélia, e à sua respiração ofegante, corresponderam os homens da taberna com um pesado e inquisitivo silêncio.
Recobrado o fôlego, tartamudeou que a alma do Zé França vinha atrás dela!  
   
A Ti Amélia Pataqueira nunca tinha ouvido falar de fogos fátuos. Muito menos imaginava que são provocados pelos gases provenientes da decomposição da matéria orgânica que entram em combustão quando em contacto com o oxigénio do ar.
Nem tão pouco sabia que a deslocação do ar que a sua louca correria provocara, arrastara atrás de si a chama dessa combustão.
 
Rui Felício

7 comentários :

  1. Que bom foi reler este teu texto.
    Não me perguntes onde o li mas li! Suponho que com outro título.
    Mas não esqueci este conto, onde se fala de fogos fátuos e no cemitério das Torres do Mondego.
    E daqueles homens da aldeia que jogavam às cartas em redor de uma carcomida mesa de madeira...
    Toma lá um abraço.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Que bom foi reler este teu texto.
    Não me perguntes onde o li mas li! Suponho que com outro título.
    Mas não esqueci este conto, onde se fala de fogos fátuos e no cemitério das Torres do Mondego.
    E daqueles homens da aldeia que jogavam às cartas em redor de uma carcomida mesa de madeira...
    Toma lá um abraço.

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  4. Que bom foi reler este teu texto.
    Não me perguntes onde o li mas li! Suponho que com outro título.
    Mas não esqueci este conto, onde se fala de fogos fátuos e no cemitério das Torres do Mondego.
    E daqueles homens da aldeia que jogavam às cartas em redor de uma carcomida mesa de madeira...
    Toma lá um abraço.

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    1. Obrigado pelo teu comentário, Carlos Viana.
      E não te enganas. Este conto foi escrito em Junho de 2011 e publicado no "Encontro de Gerações".

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  5. Magistralmente escrito, Rui Felício, e sem cascas de banana para os leitores escorregarem...Um ambiente de aldeia muito bem recriado, as superstições, a ignorância e a taberna, meta final do convívio dos "homes", com as suas cartas e o seu copito de vinho, se não o garrafão. Ambiente escuro, fatos puídos, sapatos velhos, camisas suadas, muitas moscas, uns nacos de presunto e tendência para a bisbilhotice... Posso bem imaginar a expressão da clientela ao ver a Ti Amélia Pataqueira, naquele desatino todo a correr pela taberna dentro! Sorrateiramente, pelo sim, pelo não, devem todos ter-se esquivado para fora, assobiando para o disfarce, mas passo lesto rumo às suas casas modestas! Não, que isto de almas penadas nunca se sabe no que pode dar!...

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    1. A Maria Mesquita nos comentários que faz o favor de escrever aos meus textos, mostra-nos como se escreve bem!
      A descrição do ambiente da taberna que aqui faz é a prova disso.
      Não acredito que não possamos ler, noutros locais ou em livros a verdadeira escritora que é Maria Mesquita.
      Sob este nome ou sob pseudónimo.
      Mas ela, infelizmente para mim, continua a não querer levantar uma pequena ponta do véu que nos deixe ver quem ele esconde...

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