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sábado, 23 de março de 2013

O DIÁRIO DO DR. JOSÉ DE ALENCAR



Dia 07 de Novembro de 2011
- Que horas são?
- São onze, pai!
- O tempo passa, já jantámos há duas horas! Mas ainda há tempo para conversarmos.
- Há tempo como? Há sempre tempo...
- Hoje não. Daqui a uma hora começa o primeiro dia da tua nova vida. E tens que te levantar cedo.
- Tem razão, amanhã começo a trabalhar no Ministério.
- És jovem, com as habilitações académicas adequadas, o teu nome José de Alencar mostra a estirpe e a linhagem da nossa ancestral Família. Mas tens o ardor e os improvisos próprios dos teus vinte e cinco anos, que deves habituar-te a conter e a disfarçar.
- Não será fácil, pai. Não gosto de ocultar ou conter os meus princípios.
- Deixa-te disso! Não irás longe assim. Por isso te aconselho. Se quiseres singrar dá tempo ao tempo. Ri-te às gargalhadas das piadas insonsas do ministro. Deste ou de outro que vier a seguir. Aplaude as suas decisões estúpidas. Gaba-lhe a gravata horrorosa às bolas que ele ata sem jeito à volta do pescoço por baixo do colarinho da camisa aos quadrados que parece ter comprado na feira do relógio.
- Mas se exagero ele vai desconfiar que estou a gozar com ele...
- Isso não acontecerá! Desde novo que se habituou a que só lhe apontassem os méritos. Na escola, na universidade, como aluno e depois como professor e mais tarde no Banco para onde entrou directamente para o alto cargo de director. Não sabe nada da vida, mas como obteve altas classificações, e foi subindo na hierarquia da política desde tenra idade, nunca ninguém lhe apontou falhas. E aqueles que tiveram a desdita de o fazer foi-os afastando e sucessivamente empurrando para a rua.
- E se me for pedida a minha opinião pessoal sobre um qualquer assunto?
- Dá-me um exemplo, para ser mais fácil explicar-te.
- Bom, suponhamos que ele me pergunta o que eu acho sobre o corte dos subsídios de férias e de Natal, de que agora tanto se fala.
- Nunca digas nada sem te fundamentares em opiniões alheias. Neste caso concreto, dizes que o primeiro-ministro prometeu em campanha eleitoral que jamais sacrificaria ou reduziria o poder de compra dos trabalhadores e dos pensionistas, mas que, chegado ao governo tinha descoberto um buraco orçamental oculto colossal que os portugueses iriam ser infelizmente obrigados a colmatar. E que o líder da oposição, em nome da Pátria, até se iria abster na votação dessa decisão, viabilizando-a, embora achasse que se devia reduzir esse sacrifício a cinquenta por cento. E que até mesmo o Presidente da República tinha dito que em nome dessa mesma sua Pátria adorada, não iria vetar essa medida, embora tivesse muita pena dos sacrifícios dos seus compatriotas. E que até mesmo um dos ministros mais mediáticos do governo, que tanto está na América do Sul, em Madrid, na Argélia ou em Lisboa em directo para a televisão, concordava que essa medida tão gravosa pudesse ser objecto de negociações com a oposição, embora pensasse que o governo não tinha folga para tal negociação.
- Sim, compreendo, pai...Mas se mesmo assim, o ministro insistir para eu dar a minha própria opinião?
 - Dir-lhe-ás que confias na sua superior inteligência que saberá, melhor do que tu, tirar a mediatriz de tão abalizadas opiniões e decidir segundo o superior interesse nacional. E que tu, aplaudirás, sem reservas, seja qual for a sua sábia decisão.
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Este é o diálogo que Sua Excelência, o Presidente da República das Bananas, Dr. José de Alencar, respigou do seu diário, neste dia 07 de Novembro de 2041passados exactamente 30 anos depois de o ter escrito, para nele meditar antes do acto solene da celebração da sua recente eleição para o mais alto cargo do Estado.
Escrito em 07/11/2041

Rui Felicio

1 comentário :

  1. De uma ironia tão fina e tão sarcasticamente desenvolvida num texto quase inocente (...), apontando todos os tics e defeitos duma governação despudorada, feita de um modo naif que consegue assim passar melhor a mensagem...porque suave, sem impropérios,sem a realidade patente, mas deduzida.
    A sua imaginação leva-o sempre pelos caminhos certos e o modo de contar a estória!

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