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segunda-feira, 17 de junho de 2013

DISCURSO À ESTÁTUA





Em resposta ao desafio do Carlos Viana...
 
 

Salvé Doutor Joaquim António de Aguiar, estrénuo defensor do cartismo e conimbricense de gema galada!

Foi com estas palavras que me dirigi à estátua, estendendo o braço numa saudação romana, a capa traçada à tricana, um capacete de cartolina e uma espada de madeira, sob o olhar protector do Zé Maria, fitado de Direito que se formou aos 35 anos de idade depois ter andado por Coimbra mais de quinze, que me tinha mobilizado para o acompanhar na Latada e de quem fiquei amigo para o resto da vida.
Era a minha sina como caloiro naquele ano distante de 1963, a que me submetia. Lembro-me de estarem em volta a assistir, entre muitos outros, o Lucas Pires, o Vital Moreira, o Fernando Torres, o Carlos Encarnação, este último também caloiro como eu.
Visto à distância, este quadro parecia uma premonição do variado leque politico parlamentar que compuseram anos mais tarde.
É curioso que sendo eu verdadeiramente um tímido, nestas teatrices a voz e o gesto soltavam-se-me como se num palco estivesse plantado.


E prossegui com gestos largos e voz pausada:

Sei que petrificado como está, a sua voz não será audivel ao comum dos mortais.
O que não acontece comigo porque, embora sendo mortal não sou comum e tenho o dom de assimilar mensagens telepáticas.
Consigo portanto ouvir perfeitamente as suas sábias palavras e ensinamentos que terei a maior honra em transmitir à douta e ilustre plateia que me rodeia, ávida de enriquecer os seus já vastos conhecimentos adquiridos na mesma prestigiosa Universidade onde Vossa Excelência estudou e leccionou há mais de um século atrás.
E as três questões mais obscuras na mente dos nóveis doutores aqui presentes, que me encarregaram desta missão, às quais humildemente lhe requeiro a
bondade de os esclarecer, são as seguintes:

A primeira é a de saber porque alcunharam V. Exª com o pejorativo epíteto de Mata-Frades.

 

A segunda é a de nos revelar o que escreve e porque escreve na folha de papel que a sua mão esquerda segura.
E a terceira e última é a de nos poder esclarecer como consegue escrever algo, se não se vislumbra qualquer tinteiro onde possa molhar o aparo da pena que a sua mão direita sustenta.
Suspendi a interpelação, pedi silêncio e de ouvido a escuta e os olhos no infinito, fingi aguardar pela resposta da estátua.
Voltei-me de costas para a estátua e transmiti aos presentes as respostas que telepáticamente tinha recebido:

O insigne Doutor de Leis aqui há longos anos ao frio, ao sol e à chuva transmite aos ilustres circunstantes e em resposta ao por mim questionado, o seguinte:

Que foi injustamente alcunhado de Mata-Frades, por ter feito aprovar uma lei anti-clerical que nacionalizava os bens das ordens religiosas, porque em seu entender essa riqueza era necessária à Fazenda Nacional para suprir graves carências públicas.
Fez questão de esclarecer que ficaram de fora as ordens religiosas femininas e que por isso não lhe chamaram também o Mata-Freiras.

Quanto à segunda questão, O Doutor Aguiar informa-nos que o papel que tem na mão serve para anotar os nomes dos infractores às posturas municipais, designadamente a do Presidente Dr. Moura Relvas, que instituiu uma multa às vendedeiras dos arrabaldes que entrassem descalças na cidade.

Relativamente à terceira e última dúvida suscitada por mim, fungou e disse-me para olhar bem. A pena que tinha na mão direita era de tinta permanente, pelo que não precisava de tinteiro. E que, se precisasse, tinha a aquiescência do Director do Banco de Portugal, ali ao lado, para a molhar no tinteiro dele...



Rui Felicio

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