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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

CORRUPÇÃO

O Presidente da Junta e mais o engenheiro-chefe  da Câmara dirigiram-se ao terreno escarpado sobranceiro à praia. O boletim meteorológico dizia que da parte da tarde iria começar a  chover  e, por isso, anteciparam a visita para antes do almoço.
Esperava-os o mestre de obras , Ramiro Lopes, que tencionava ali construir um conjunto de blocos habitacionais, aproveitando a excelente vista que a propriedade proporcionava.
Partiram, sem se precaverem contra o mau tempo. Chegados à praia, saíram do carro e começaram a subir a pé a íngreme escarpa. Ainda não tinham palmilhado metade do caminho, um negrume vindo do lado do mar, aproximou-se corrido pela ventania, escurecendo o ar. Bruscamente desabou sobre eles uma escardoçada fria e grossa, que o vento vergastava, deixando-os estonteados, atordoados, cambaleantes e patinhando no lamaçal escondido debaixo das urzes.
O Ramiro Lopes, abrigado numa barraca de madeira, no cume da escarpa, gritava-lhes com voz esganiçada que tentava sobrepor à borrasca, indicando-lhes o carreiro por onde mais céleres poderiam fugir ao temporal.
Protegidos já, dentro do palheiro, ainda resfolegando da cáustica subida, foram ao que interessava, porque, como dizia o Ramiro, tempo é dinheiro.
O engenheiro ainda tentou argumentar, dizendo que o monte era demasiadamente íngreme, dificultando os arranjos exteriores e acessibilidades da urbanização.
Além disso existia uma profunda linha de água que atravessava a escarpa e que a construção iria bloquear o escorrimento livre da chuva, provocando inundações e deslizamento de terras.
O Presidente da Junta abanava a cabeça, com fraca convicção mas em sinal de assentimento.
O Ramiro, impante, contrapunha:
- Ora, ora, meus Senhores! Se o terreno é íngreme, arrasa-se! Se a vala é funda, entulha-se! O progresso e o turismo exigem-no! A bem do nosso País que tão precisado está do dinheiro dos turistas...

Um mês depois era publicado um Edital na vitrina do átrio da Junta, meio escondido debaixo da profusa papelada diariamente ali afixada e que o submergia por completo. Dava um mês para a população se pronunciar sobre a urbanização, informando que findo esse prazo, o projecto iria ser aprovado.
Hoje, aos fins de semana, o engenheiro-chefe acorda, abre a janela de par em par, sorve o ar húmido que lhe lubrifica as narinas e escuta deliciado o rebentar contínuo das ondas lá em baixo, na vistosa vivenda isolada que o Ramiro lhe ofereceu no melhor sitio da urbanização.
Muito perto, reside a Marta, amante do Presidente da Junta, numa outra moradia oferecida pelo Ramiro.
Para evitar deslizamentos de terras que possam destruir os 58 blocos habitacionais construídos ao longo da falésia, a Câmara implementou um dispendioso e complexo sistema de fundações e muros de suporte protectores da urbanização.

Rui Felicio

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