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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

FANTASIA



Parecia adormecido...
Só o cadenciado ondular traía a sua calma e denunciava a imensidão.
Embalado pelo som surdo das ondas a desfazerem-se na praia, ali fiquei, sentado na areia húmida, a olhar a linha do horizonte, onde se fundiam os azuis do céu e do mar.
Sem querer, recordei as vezes que ali passeei com a minha filha, de mãos dadas. Éramos cúmplices daquele ambiente mágico, daquela lonjura ao nosso alcance.
Por vezes nadávamos, lado a lado, ao longo da linha da praia, entre as rochas que a delimitavam a norte e a sul.
Foi numa dessas vezes que tudo aconteceu.
A dado momento, enquanto nadávamos em direcção às rochas, algo me chamou a atenção.
Pareceu-me a cauda reluzente de um grande peixe dourado. Preocupado, esperei pela minha filha que nadava atrás de mim. Acenou-me com a cabeça de que também vira o mesmo que eu.
Mantivemo-nos à tona, com lentos movimentos dos braços e das pernas, observando, atentos, o local onde tínhamos visto a bela cauda do peixe.
De repente, entre o susto e a estupefacção, vimos uma coisa que jamais imagináramos poder existir naquelas águas.
Emergindo do mar, surgiu uma bela mulher, de longos e anelados cabelos dourados, que nos deixava ver um corpo escultural.
Os seus olhos amendoados, cor de mar, meigos, melancólicos, hipnotizavam-nos. Era impossível deixar de sentir aquele olhar trespassar-nos a retina e mergulhar no mais fundo do nosso ser, acelerando-nos o coração, que doía doce...
Dos seus lábios carnudos e bem desenhados, saía um som melodioso, suave, um quase choro, que nos arrepiava os sentidos...

Era com certeza uma sereia. Afinal existiam!
Por instantes, ela ficou ali a fitar-nos num movimento suave , síncrono, até que mergulhou e desapareceu nas profundezas...
Ainda esperámos algum tempo, na expectativa do seu reaparecimento. Mas, até hoje, nunca mais foi vista...
-Filha, guardas um segredo? – perguntei...
Meio confusa, meio aturdida, respondeu-me que sim...
Disse-lhe que aquela visão, seria o nosso segredo. Ocorreu-me justificar-lhe o pedido, fantasiando e dizendo-lhe que as sereias não aparecem a todos, e que, se aquela tinha resolvido aparecer-nos é porque confiara em nós, é porque nos achava pessoas de bem, pessoas especiais...
O olhar da sereia mostrou que tinha confiança em nós, em que saberíamos manter o segredo que lhe permitisse continuar a sua vida no paraíso do fundo do mar, sem ser incomodada pela multidão de curiosos e incrédulos que acabariam por devassar a sua privacidade.

Sei que a minha filha, passados tantos anos nunca quebrou a sua promessa de manter intacto o nosso segredo.
E eu, também não estou a quebrá-lo, porque não vos vou dizer em que praia é que isto aconteceu...


Rui Felicio

7 comentários :

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Removi por o comentário ter aparecido duas vezes....Estéticamente fica feio .

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  2. A cumplicidade, extremamente forte, entre pai e filha veiculada através de uma fantasia em forma de sereia,linda como nos livros que já lemos... mas que tu consegues dar-lhe uma áurea ainda mais deslumbrante apesar de um som arrepiante,quase choro vos leva a um segredo perpétuo...Este tornou-se em algo que os olhos de ambos transmitem:"Afinal as sereias existem e só nós é que sabemos!" Compromisso assumido,fruto de amor entre pai e filha.
    Amei este texto, sublime e escrito com coração de pai.
    A sereia também desejava a sua privacidade a que o compromisso não é alheio...
    Escreve,escreve Rui o teu manancial é enorme e apenas sou uma pequena leitora/interprete mas a minha sensibilidade essa "sente" como bem escreves.

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  3. Porque é que há uma magia tão grande com a figura das sereias?
    Este texto transmite-nos essa magia e, como a Olinda bem observou, uma bonita e pura cumplicidade entre pai e filha!
    O Rui Felício trabalha tão bem as palavras que até nos faz acreditar que as sereias existem! Infelizmente, eu não sou dos eleitos para as poder ver, mas acredito que existem... agora acredito!...

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  4. A sintonia e união que partilham Pai e Filha é tão grande, tão profunda,que só assim se poderá compreender a partilha dessa miragem, transformada numa belíssima mulher, a quem tu apelidaste de sereia!
    É uma estória incrível da qual muito poucos se poderão gabar....os sonhadores sim, esses nas suas fantasias quantas sereias, quantas ninfas, não terão passado pelos seus olhos, pelas suas mentes!!!!!
    Sinceramente estou baralhada....mas felizes de vocês os dois que tiveram o dom de viver esses momentos!

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  5. Sereia inteligente, soube em quem confiar.
    Confiou bem, não é um qualquer humano que é capaz de guardar tão precioso segredo.
    Parabéns, querida sereia. Agora, tenho a certeza que existes, só não sei onde estás.

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  6. Obrigado a todos pelos simpáticos comentários.
    E, mais do que isso, por revelarem que têm corações sensiveis à fantasia.
    O que, neste mundo frio, começa a ser raro.

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