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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

LAVAGEM AO CÉREBRO

Com quatro bocas para sustentar lá em casa, as contas da luz, da água e do gás, a prestação do frigorifico para pagar, o Mário, pedreiro nas obras, já não sabia o que fazer para esticar o ordenado que recebia ao fim de cada mês. Ganhava 750 euros brutos. Descontados os impostos e as contribuições, ficava com 652 euros. Já estava endividado até aos cabelos na mercearia do bairro e o dono ameaçava-o de lhe cortar os fiados.

Balouçando-se na luxuosa poltrona do seu escritório, o patrão deu-lhe uma ensaboadela mental quando ele lhe foi pedir aumento de ordenado:

Suponha o meu amigo que eu lhe dava mais 100 euros por mês. Você ao fim de um mês ou dois começava logo a mirar com olhos de cobiça o emprego de um seu vizinho que ganhasse mais 100 ou 200 euros, punha-se a meter cunhas, incomodava-se a revolver céu e terra, a traficar influências junto do Presidente da Junta, quem sabe do Presidente da Câmara, e, para azar seu, acabavam por lhe arranjar um lugar numa empresa municipal, como fiscal de obras.
Davam-lhe 1.200 euros por mês, mas você ficava a perder. Agora estava nas mãos deles, tinha que votar em quem eles lhe mandassem. E o dinheiro que lhe davam,  parecendo muito, era realmente menos do que aquele que eu lhe pago.
Naquele cargo, tinha que passar a conviver com engenheiros, doutores, políticos. Era obrigado a apresentar-se decentemente vestido, tinha que manter na moda o guarda-roupa da sua mulher, mandá-la ao cabeleireiro uma vez por semana e os seus filhos não podiam ir para a escola com os ténis rotos.
Entretanto ia deitando o olho a um cargo mais vantajoso. Seria chefe de um qualquer serviço da Câmara, daqueles onde se trabalha pouco e se ganha melhor. Em pouco tempo iria sentir no corpo a doença do sedentarismo por falta da actividade física que, para seu bem, tem a sorte de praticar na minha empresa. Com a inacção física, viria a doença de que sofrem tantos anémicos, entorpecidos e balofos que por lá andam. E que já só comem por desfastio. Qualquer leve corrente de ar lhe traria uma pneumonia, uma ponta de sol mais quente um aneurisma cerebral. Você faz ideia do dinheirão que ia gastar para se tratar?
Não me agradeça, amigo Mário. Mas em defesa da sua saúde e da sua vida, não lhe devo  aumentar o ordenado.

Tem razão! Nunca tinha pensado nisso...Obrigado, patrão! – agradeceu o Mário com uma vénia...

2 comentários :

  1. Já fiz outro comentário.Desculpa a repetição mas sem sono é o que dá!
    Aqui deixo um pequeno comentário.
    Vénia versus submissão...
    Penosamente actual e esclarecedor o teu texto.

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  2. O Lobo Mau a levar à certa o Capuchinho Vermelho... A velha história para criança acreditar!
    A conversa falada com blandícia,paternalismo infame,de um explorador de poltrona a debitar um discurso de pretenso moralismo a um pobre diabo sem cultura, sem poder de argumentação, atulhado em dívidas e incertezas.
    A sociedade capitalista e exploradora em que vivemos, sob o manto diáfano da democracia...Agora...mais do que nunca! Hoje ser-se íntegro é um desafio e uma afronta!
    Muito aprecio as suas preocupações sociais, Rui Felício!

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